STJ reafirma os entendimentos acerca da validade jurídica das assinaturas eletrônicas
Em decisão que reafirma e consolida os entendimento sobre o tema, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a força executiva e probatória de documentos assinados eletronicamente em plataformas privadas, dispensando a obrigatoriedade de utilização de certificado digital ICP-Brasil¹ pelos signatários.
Desde a publicação da Medida Provisória nº 2.200-2/2, marco legal que confere validade jurídica aos documentos assinados eletronicamente - com ou sem a utilização de um certificado digital ICP-Brasil - o tema tem sido objeto de dúvida no judiciário brasileiro.
Nos últimos anos observou-se um entendimento minoritário, que argumentava a favor da obrigatoriedade de utilização de certificado digital e credenciamento da plataforma de assinaturas à ICP-Brasil.
A decisão pode ser considerada um marco para a segurança jurídica das transações digitais ocorridas no ordenamento jurídico brasileiro. Além de analisar a legislação aplicável e jurisprudência corrente, adentrou os aspectos tecnológicos de autenticação dos signatários e integridade dos documentos eletrônicos.
O STJ reafirma sua posição, acompanha o entendimento majoritário dos Tribunais estaduais e consolida a aceitação das assinaturas eletrônicas realizadas em plataformas digitais privadas.
Contexto da ação
A ação original possui a natureza de busca e apreensão, baseada em Cédula de Crédito Bancário assinada na plataforma Clicksign. O signatário foi autenticado através de Token via SMS² e a integridade do documento foi assegurada pelas tecnologias de função criptográfica “hash” e certificado digital da plataforma.
O Tribunal de origem considerou a assinatura eletrônica realizada pelas partes insuficiente para os fins propostos, argumentando que o fato da plataforma não estar credenciada na ICP-Brasil prejudicaria a validade jurídica das assinaturas em questão.
A parte credora recorreu ao STJ argumentando pela não obrigatoriedade de utilização de certificado digital ICP-Brasil e apontando violação à legislação vigente.
Fundamentos, legislação aplicável e intenção do legislador
A decisão do STJ baseou-se na Medida Provisória nº 2.200-2 de 2001 e na Lei nº 14.063 de 2020.
A Medida Provisória nº 2.200-2/2001, marco legal da validade dos documentos assinados eletronicamente e que permanece vigente, estabeleceu dois tipos de assinaturas eletrônicas, que variam de acordo com o método utilizado para autenticar o signatário:
“Art. 10. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória.
§ 1º As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei no 3.071, de 1º de janeiro de 1916 - Código Civil.
§ 2º O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.”
O legislador foi expresso ao dispor que ambos os tipos de assinatura eletrônica possuem validade jurídica, diferenciando somente a presunção de veracidade.
Enquanto a assinatura eletrônica autenticada a partir de um certificado digital ICP-Brasil presume-se verdadeira, a que utiliza de outros meios de comprovação demanda a concordância das partes.
Já a Lei nº 14.063/2020, que dispõe sobre o uso de assinaturas eletrônicas em interações com entes públicos, em atos de pessoas jurídicas e em questões de saúde e sobre as licenças de softwares desenvolvidos por entes públicos, classificou as assinaturas eletrônicas em três espécies, as diferenciando a partir do método utilizado para autenticar o signatário.
A decisão foi além da análise objetiva dos dispositivos legais e buscou interpretar a intenção do legislador quanto à validade jurídica dos documentos assinados eletronicamente.
Para isso, trouxe ao Acórdão a Exposição de Motivos Interministerial da primeira edição da Medida Provisória, manifestações públicas do primeiro Procurador-Chefe do ITI³, além de Parecer emitido pela Procuradoria do ITI na ocasião da elaboração da Lei nº 14.063/2020.
Ao analisar os dispositivos legais e a intenção do legislador, a decisão sob relatoria da Ministra Nancy Andrighi concluiu:
“(...) a intenção do legislador foi de criar níveis diferentes de força probatória das assinaturas eletrônicas, conforme o método tecnológico de autenticação utilizado pelas partes, e - ao mesmo tempo - conferir validade jurídica a qualquer tipo de assinatura eletrônica, levando em consideração a autonomia privada e a liberdade das formas de declaração de vontades entre os particulares”
Evolução jurisprudencial no STJ
A decisão resgatou o histórico de julgados do STJ sobre o tema, destacando a atenção da Corte Superior acerca das evoluções tecnológicas, em convergência ao espírito do legislador de proporcionar segurança jurídica às transações efetivadas em meios eletrônicos.
Interessante notar que, mais de dez anos atrás, o STJ já se posicionava favorável à flexibilização do requisito formal de assinaturas manuscritas, argumentando pela possibilidade de atestar a autoria da manifestação de vontades a partir de elementos alternativos à assinatura analógica tradicional⁴.
Já em meados do ano 2018, o STJ decidiu a favor da flexibilização da exigência de assinatura de duas testemunhas como requisito à executividade de títulos assinados eletronicamente⁵.
Mais recentemente, em decisões proferidas nos anos de 2022 e 2023⁶ ⁷ ⁸, o STJ tem consolidado seus entendimentos acerca da força executiva e probatória destes contratos, independente da utilização de um certificado digital ICP-Brasil pelas partes, já que “o avanço tecnológico observado na presente 'era digital' tornou necessário conferir a mesma higidez e segurança na identificação de documentos em formato eletrônico, elaborados com o auxílio de computadores”.
Ao analisar o histórico e evolução jurisprudencial no STJ, a decisão concluiu:
“Portanto, o reconhecimento da validade jurídica e da força probante dos documentos e das assinaturas emitidos em meio eletrônico, quando aliados ao uso de ferramentas tecnológicas que permitem inferir (ou auditar) de forma confiável a autoria e a autenticidade da firma ou do documento, está, na evolução dos precedentes desta Corte Superior, em franca harmonia com o espírito do legislador.”
Elementos de autenticidade dos signatários e integridade do documento assinado
A relatora também aprofundou o exame ao destacar dois aspectos essenciais da assinatura eletrônica: a autenticidade dos signatários e a integridade do documento assinado.
Os métodos de autenticação são as tecnologias oferecidas pelas plataformas para que se realize a autenticação dos signatários. A classificação do tipo de assinatura eletrônica varia de acordo com a escolha destes métodos.
Enquanto a assinatura eletrônica simples utiliza de fatores únicos de autenticação, como uma senha ou código, a assinatura eletrônica avançada dispõe de múltiplos fatores para autenticar o signatário, que variam de acordo com as tecnologias oferecidas pelas plataformas, tais como os códigos temporários (tokens) enviados via celular ou e-mail, biometrias faciais, captura de selfies e geolocalização.
Já o requisito de integridade diz respeito aos fatores empregados pelas plataformas para garantir que as assinaturas e o conteúdo do documento assinado não sofreram adulterações durante e após os processos de autenticação.
Por mais que a legislação não estabeleça uma única forma de garantir a integridade do documento assinado, a decisão do STJ destacou o fator mais utilizado pelas plataformas: a função criptográfica hash.
Isso porque, ao atribuir um código hash único e exclusivo ao documento assinado, é possível detectar qualquer mudança realizada no conteúdo do documento após a sua assinatura.
Interessante notar que a eficiência da tecnologia hash já foi analisada pelo STJ em decisões anteriores⁹ ¹⁰. Nas ocasiões, foi reconhecida a utilização da função criptográfica hash como um elemento capaz de garantir integridade de provas digitais.
Ao analisar todo o contexto, a decisão concluiu:
“(...) as funções “hash” são sensíveis a mudanças e eficientes na detecção de qualquer modificação de conteúdo original de documentos ou assinaturas em meio eletrônico. Essa propriedade é fundamental para garantir a integridade em assinaturas eletrônicas, tanto na modalidade avançada quanto na modalidade qualificada.”
Refutação da veracidade da assinatura eletrônica
Outro elemento central nas discussões sobre a validade dos documentos assinados eletronicamente, o dever de impugnação da parte contra quem foi produzido o documento, também foi abordado pela decisão do STJ.
Isso porque o Juízo de 1º Grau, de ofício, refutou a veracidade das assinaturas em questão. Para o STJ, tal medida fere o dispositivo da Medida Provisória nº 2.200-2/2001 e pode representar um tratamento desigualitário por parte do juízo, já que compete exclusivamente às partes impugnar documentos produzidos contra em seu desfavor.
O Código de Processo Civil é expresso nesse sentido, ao dispor sobre o tema nos artigos 139 e 141. Vejamos:
“Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
I - assegurar às partes igualdade de tratamento;”
“Art. 411. Considera-se autêntico o documento quando:
(...)
III - não houver impugnação da parte contra quem foi produzido o documento.”
Nesse sentido, foi incluída na ementa da decisão:
“A refutação da veracidade da assinatura eletrônica e dos documentos sobre os quais elas foram eletronicamente apostas - seja no aspecto de sua integridade, seja no aspecto de sua autoria - deve ser feita por aquele a quem a norma do art. 10, § 2º, da MPV 20200/2001 expressamente se dirigiu, que é a "pessoa a quem for oposto o documento", que é a mesma pessoa que admite o documento como válido (i.e., o destinatário). Essa é, aliás, a norma do art. 411, I, do CPC, ao criar a presunção de autenticidade do documento particular quando a parte contra quem ele for produzido deixar de impugnálo.
A pessoa a quem o legislador refere é uma das partes na relação processual (no caso de execução de título de crédito, o emitente, o endossante ou o endossatário), o que - por definição - exclui a pessoa do juiz, sob pena de se incorrer no tratamento desigualitário, vetado pela norma do art. 139, I, do CPC.”
Repercussão e conclusões
O caso ganhou repercussão no meio jurídico. Diversos veículos destacaram a relevância e importância da decisão, como o Migalhas, Consultor Jurídico e Revista Veja.
O STJ reforça a segurança jurídica das operações digitais ao reafirmar seus entendimentos a respeito da legislação aplicável, intenções do legislador, do princípio da autonomia privada e autonomia das partes.
O que vemos é uma consolidação do tema. As assinaturas eletrônicas e as tecnologias empregadas pelas plataformas são instrumentos capazes de atribuir ao documento assinado a autenticidade dos signatários e a integridade de suas informações, independente da utilização de um certificado digital ICP-Brasil.
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¹ A Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) é uma cadeia hierárquica de confiança que viabiliza a emissão de certificados digitais para identificação virtual do cidadão. Fonte: https://www.gov.br/iti/pt-br/assuntos/icp-brasil
² O Token via SMS é uma tecnologia disponibilizado pela plataforma Clicksign, que consiste em autenticar um signatário a partir de um código temporário enviado ao seu número de telefone.
³ Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI) é uma Autarquia Federal, criada por intermédio do Medida Provisória n° 2.200-2/2001, vinculada ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, com a finalidade de ser a Autoridade Certificadora Raiz da ICP-Brasil. Fonte: https://www.gov.br/iti/pt-br/acesso-a-informacao/institucional/o-iti
⁴ REsp 1.192.678/PR, Terceira Turma, DJe de 26/11/2012. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201000836020&dt_publicacao=26/11/2012
⁵ REsp 1.495.920/DF, Terceira Turma, DJe de 07/06/2018. Disponível em: https://www.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/ATC?seq=78697795&tipo=5&nreg=20140295%203009&SeqCgrmaSessao=&CodOrgaoJgdr=&dt=20180607&formato=PDF&salvar=false.
⁶ AgInt no REsp 1.978.859/DF, Terceira Turma, DJe de 25/05/2022. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202104020587&
⁷ AgInt no AREsp 1.917.838/RJ, Quarta Turma, DJe de 09/09/2022. Disponível em: https://www.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/ITA?seq=2206417&tipo=0&nreg=202102009079&SeqCgrmaSessao=&CodOrgaoJgdr=&dt=20220909&formato=PDF&salvar=false
⁸ AgInt no AREsp 2.001.392/SP, Terceira Turma, DJe de 27/04/2023. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202103256751&
⁹ AgRg HC 828.054/RN, Quinta Turma, DJe de 29/04/2024. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202301896150&dt_publicacao=29/04/2024
¹⁰ AgRg no RHC 143.169/RJ, Quinta Turma, DJe de 02/03/2023. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202100573956&dt_publicacao=02/03/2023
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Gustavo Reis é Advogado Sênior na Clicksign.