O novo Domicílio Judicial Eletrônico
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), com apoio do Conselho da Justiça Federal (CJF), Superior Tribunal de Justiça (STJ), Tribunal Superior do Trabalho (TST) e Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), desenvolveu o Programa Justiça 4.0. O desenvolvimento do DJE teve a participação da Federação Nacional dos Bancos (Febraban).
Este Programa tem como objetivo impulsionar a transformação digital do Judiciário e garantindo maior agilidade, eficiência e acessibilidade aos seus serviços uma vez que qualquer pessoa, em qualquer lugar, poderá ter acesso à justiça, sem ter que gastar tempo e dinheiro com deslocamentos, por exemplo.
O Domicílio Judicial Eletrônico (DJE) faz parte deste Programa e, apesar de a Resolução n.º 234/2016, do CNJ tê-lo instituído, foi apenas no ano de 2022, por meio da Resolução n.º 455/2022, também do CNJ, que a referida ferramenta passou a ser regulamentada e constituída como a plataforma de editais do CNJ e instrumento de publicação dos atos judiciais dos órgãos do Poder Judiciário.
Mas será que essa acessibilidade e proximidade da sociedade com o Judiciário é possível?
De acordo com a Pesquisa Anual do FGVcia sobre o Mercado Brasileiro de TI e Uso nas Empresas, o número de aparelhos eletrônicos¹ ativos no Brasil é de 480 milhões até maio/2024, tanto para uso corporativo como para utilização pessoal, o que dá a média de 2,2 dispositivos digitais por habitante, sendo o smartphone o mais utilizado.
Paralelamente a isso, a pesquisa realizada em 2022 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que 161,6 milhões de brasileiros utilizavam a internet (apesar de o Brasil contar com uma população de 215,3 milhões em 2022, a pesquisa entrevistou apenas habitantes com mais de 10 anos), sendo que, desse número, 93,4% acessavam a rede todos os dias, enquanto outros 2,7% se conectavam quase todos os dias (cinco ou seis dias na semana).
Esse número aumentou e, em 2024, conforme dados divulgados pela DataReportal², dentre os 217 milhões de brasileiros, 96,9% deles utilizam dispositivos móveis (210,3 milhões) e 86,6% acessam a internet.
Assim, é bastante expressivo o número de pessoas com acesso a diversos aparelhos eletrônicos e à internet, motivo pelo qual, tendo um smartphone e acesso à internet é possível que não só advogados, como também a população brasileira, possa ter acesso à Justiça de forma mais fácil e menos custosa, ante a desnecessidade de deslocamento até o fórum ou ligações ao advogado para saber sobre o andamento do processo, por exemplo.
A ferramenta de comunicação
O DJE, fruto do Programa Justiça 4.0, é uma ferramenta gratuita que concentra em um único lugar todas as comunicações processuais³ emitidas pelos noventa e um tribunais do país, substituindo as comunicações físicas e/ou a locomoção de Oficiais de Justiça.
Qualquer pessoa, seja física ou jurídica, pode ter acesso à ferramenta e tomar ciência das comunicações eventualmente constantes.
O acesso à ferramenta é simples e pode ser feito por meio de qualquer navegador da internet, através de um login e senha, certificado digital ou pelo gov.br. Até o momento, não existe um aplicativo do DJE para download nos smartphones, o que facilitaria ainda mais o acesso à Justiça pela população brasileira.
A ferramenta conta com painéis bastante intuitivos, sem que haja a necessidade de se clicar em muitos campos para ter acesso às comunicações processuais.
A Resolução n.º 455/2022, do CNJ, em seus artigos 11 e 12, ressalta que a publicação no DJE substitui “qualquer outro meio de publicação oficial, para fins de intimação, à exceção dos casos em que a lei exija vista ou intimação pessoal” e os atuais diários de justiça eletrônicos mantidos pelos órgãos do Poder Judiciário, de modo que será objeto de publicação no DJE:
- Conteúdos dos despachos, das decisões, dos dispositivos das sentenças e das ementa dos acórdãos;
- Intimações aos advogados nos sistemas de processo judicial eletrônico (PJE), cuja ciência não exija vista ou intimação pessoal;
- Lista de distribuição de processos;
- Atos destinados à plataforma de editais do CNJ; e
- Demais atos, cuja publicação esteja prevista na lei processual, nos regimentos internos e nas disposições normativas dos tribunais e conselhos.
De acordo com os dados fornecidos pelo CNJ, até 14/02/2024, 38 (trinta e oito) tribunais do Brasil já adaptaram seus sistemas processuais e passaram a enviar as comunicações pelo DJE, sendo eles: Justiça Estadual (TJAP, TJBA, TJDFT, TJCE, TJGO, TJMT, TJPA, TJPB, TJPR, TJRJ, TJRS, TJRR e TJSE); Justiça Federal (TRF 4) e Justiça do Trabalho (TRT 1, TRT 2, TRT 3, TRT 4, TRT 5, TRT 6, TRT 7, TRT 8, TRT 9, TRT 10, TRT 11, TRT 12, TRT 13, TRT 14, TRT 15, TRT 16, TRT 17, TRT 18, TRT 19, TRT 20, TRT 21, TRT 22, TRT 23 e TRT 24).
Cadastramentos obrigatórios e facultativos
O cadastro dos usuários ocorreu de maneira faseada desde 2023, tendo sido a 1ª fase (de fevereiro a agosto 2023) destinada às instituições financeiras e a 2ª fase (a partir de março de 2024 - prazo de 90 dias) às pessoas jurídicas privadas. Após 30 de maio, o cadastro das empresas privadas passou a ser feito de forma compulsória, conforme dados da Receita Federal.
A Resolução n.º 455/2022, do CNPJ apresenta quais pessoas deverão aderir ou se cadastrar de forma obrigatória, bem como aqueles que possuem a faculdade de se cadastrar, sendo:
Adesão obrigatória: todos os tribunais brasileiros devem implementar o sistema (exceto Supremo Tribunal Federal – STF).
Cadastro obrigatório (as seguintes instituições devem utilizar o sistema para receber e acompanhar as comunicações de processo):
- União, Estados, Distrito Federal e municípios;
- Entidades da Administração Indireta;
- Empresas públicas; e
- Empresas privadas (por CNPJ).
Cadastro facultativo (porém, incentivado pelo CNJ):
- Pequenas e microempresas que possuem endereço eletrônico no sistema integrado da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim); e
- Pessoas físicas.
Os dados necessários para realização do cadastro são simples: CPF ou CNPJ; e e-mail para recebimento das informações.
Para as pessoas físicas, onde o cadastro é facultativo (ao menos até o momento), há vantagens em se cadastrar no DJE, visto que poderão ser notificadas através de seus e-mails pessoais das comunicações de eventuais processos que façam parte, seja do polo ativo ou passivo da demanda.
Pluralidade de usuários e permissões
Um ponto importante da ferramenta é que ela disponibiliza diferentes permissões de acesso para diferentes perfis de usuário.
Após o cadastro pela empresa e do representante legal, será possível vincular as filiais e coligadas bem como cadastrar as pessoas físicas que exercerão os seguintes papéis:
- Administrador (possui acesso a todas as funcionalidades);
- Gestor de cadastro (acesso às comunicações processuais e gerenciamento do cadastro dos prepostos); e
- Preposto (acesso às comunicações processuais).
- Após o cadastro do preposto, a empresa deverá selecionar no campo “abrangência de acesso”, a quais CNPJs o preposto poderá ter acesso e se poderá visualizar o inteiro teor das comunicações.
O cuidado no cadastramento é de suma importância, visto que as pessoas que forem registradas na ferramenta em alguns dos papéis acima informados terão: (i) a responsabilidade de acessar o DJE, tomar ciência tempestivamente das comunicações e informar em tempo hábil às áreas e escritórios que ficarão responsáveis pelo caso; e (ii) acesso a informações mais detalhadas dos processos, das partes envolvidas, inclusive no caso de processos que corram em segredo de justiça e que podem ser mais sensíveis para a empresa.
O advogado da companhia pode, por exemplo, ser cadastrado como preposto. Caso no curso do processo a empresa encerre a parceria com o causídico, a partir do momento que a alteração seja feita no processo, o tribunal fará a inativação do representante e incluirá o novo designado. Essa atualização será informada pelo tribunal no DJE e as comunicações processuais passarão a ser distribuídas e acessadas apenas por aqueles que possuem permissão para tanto.
Esta comunicação entre o Tribunal e a plataforma do DJE é imprescindível, pois, dessa forma, a empresa não será prejudicada com eventual perda de prazo, em razão da troca de patronos informada nos autos do processo.
Consequência do não cadastramento
O não cadastramento pelas instituições obrigatórias mencionadas no tópico anterior, poderá acarretar a perda de prazos processuais e consequente atraso nos processos.
Isso porque, a Resolução n.º 455/2022 alterou os prazos para ler e dar ciência das comunicações. Agora, o prazo de citação é de 3 (três) dias úteis após o envio de citações pelos tribunais e de 10 (dez) dias corridos para intimações.
Aquele que, sem justa causa, deixar de confirmar tempestivamente o recebimento de citação encaminhada via DJE, estará sujeito a multa de até 5% (cinco por cento) do valor da causa por ato atentatório⁴ à dignidade da Justiça.
É de extrema importância que as empresas acompanhem e tomem ciência, dentro do prazo legal, de todas as comunicações processuais inseridas no DJE. Caso contrário, poderão, por exemplo, em uma ação cujo valor da causa seja de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), ser condenadas ao pagamento de uma multa de até R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Nesse sentido, é o reforço do juiz auxiliar da Presidência do CNJ e mentor técnico do projeto, Adriano da Silva Araújo:
“Um alerta importante é que, do total de empresas cadastradas compulsoriamente, mais de 200 mil não possuem um e-mail registrado na base da Receita e não receberão avisos por correio eletrônico a cada comunicação processual emitida pelo sistema. Vale lembrar que quem deixar de confirmar o recebimento de citação encaminhada ao Domicílio no prazo legal e não justificar a ausência estará sujeito a multa de até 5% do valor da causa por ato atentatório à dignidade da Justiça.”⁵
Assim, mais uma vez, vê-se a importância e o cuidado que a empresa deve ter ao nomear o administrador, gestor de cadastro e prepostos na ferramenta.
Inclusive, para aquelas empresas que perderam o prazo do cadastro e foram compulsoriamente cadastradas com base nos dados da Receita Federal, é imprescindível a conferência e atualização de seus dados cadastrais, sob pena de serem consideradas revéis em processos e/ou perderem prazos judiciais.
Debates sobre a ferramenta
Alguns questionamentos relacionados ao DJE, como por exemplo, o da possibilidade de aplicação de penalidades processuais em razão da ausência de confirmação da citação e a contagem dos prazos processuais, já têm sido vistos.
Inclusive, o Ministro Luís Roberto Barroso, presidente do CNJ, atendeu ao pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e determinou, por meio da Portaria n.º 224, de 26/06/2024, a suspensão do prazo de cadastramento compulsório para médias e grandes empresas no DJE até que o sistema fosse modificado para criar barramento de abertura de intimações quando já houver advogados cadastrados nos autos.
Isso porque, o DJE estava permitindo a abertura de intimação pelas empresas, mesmo em processos com procurador constituído e havendo pedido expresso nos autos para que as intimações sejam realizadas exclusivamente em nome de um determinado advogado, o que acaba gerando uma enorme insegurança às partes envolvidas nos processos e desrespeito aos ditames contidos no Código de Processo Civil⁶.
Este problema já foi corrigido, razão pela qual a Portaria n.º 224/2024, foi revogada pela Portaria n.º 243 de 31/07/2024 sob o fundamento de que o DJE realiza “o barramento de abertura de início da contagem de prazo pela parte quando existirem advogados cadastrados nos autos do processo, garantindo maior segurança jurídica e observância dos direitos dos advogados e das partes envolvidas.”.
Outro ponto de debate, é a ausência de padronização entre os tribunais, visto que alguns ainda encaminham comunicações por carta ou por meio de publicações em diários oficiais.
Conclusão
A modernização do sistema judiciário brasileiro com o uso de novas tecnologias e inteligência artificial, tem sido cada vez mais vista, especialmente a partir da época em que foi decretada a pandemia da COVID-19, visto que, do dia para noite, audiências e julgamentos precisaram ser adaptados para que os processos não fossem afetados por uma enorme morosidade, ante a impossibilidade da realização do trabalho presencial para diversos setores.
Os tribunais passaram a realizar audiências e julgamentos virtuais, a atenderem virtualmente as partes e os advogados por meio do balcão virtual (advento também do Programa Justiça 4.0), de modo que não houve interrupção do Poder Judiciário nesse difícil período, mas, apenas suspensão dos prazos processuais para que toda a população pudesse se adaptar às mudanças em seu dia-a-dia em razão da pandemia.
O resultado desse movimento necessário durante a COVID-19 teve um saldo bastante positivo e significativo, considerando que durante esse período, o Judiciário proferiu 40,5 milhões de sentenças e acórdãos, e 59,5 milhões de decisões judiciais contra 32 milhões de sentenças e decisões terminativas em 2º grau no ano de 2019.
Essa modernização não parou e, a fim de obter⁷ (i) um melhor gerenciamento das comunicações processuais (um único lugar para acompanhar todas as comunicações dos diferentes tribunais no país); (ii) maior celeridade nos processos (as comunicações demoram cerca de duas semanas para chegar ao destinatário); (iii) maior eficiência do processo judicial, com redução de 90% dos custos de expedição de comunicações físicas realizadas pelos Oficiais de Justiça ou pelos Correios; e (iv) um melhor e eficiente serviço para todas as pessoas, o DJE saiu do papel e foi disponibilizado a todos os tribunais brasileiros, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, entidades da Administração Indireta, empresas públicas e privadas e, até mesmo, para pessoas físicas (caso queiram se cadastrar).
Para acesso à ferramenta, é necessário que as empresas efetuem corretamente o cadastro de seus usuários e se atentem às comunicações no sistema, sob pena de perda de prazo processual e aplicação de multa por ato atentatório à dignidade da justiça.
É inegável que o DJE traz diversas vantagens, especialmente a de concentração de todas as comunicações em um só lugar. No entanto, pelo fato de a ferramenta ser nova, ainda serão necessários alguns ajustes e adaptações tanto pelos desenvolvedores como pelos usuários.Essa novidade do CNJ, como também foi o advento do processo eletrônico, é um grande avanço na Justiça brasileira, facilitando não só o trabalho dos advogados, como também garantindo maior celeridade e segurança jurídica no controle de prazos e acessibilidade à população.
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¹ A pesquisa considerou como aparelhos eletrônicos os computadores, tablets e smartphones.
² A DataReportal é uma das grandes referências em pesquisas na internet. Em 2024, lançou o Digital 2024: Global Overview Report e o Digital 2024: Brazil que, consistem em relatórios elaborados por meio de parcerias com instituições importantes como Statista, Similarweb, data.ai, Semrush, GWI e SocialInsider. Os relatórios revelam informações sobre o estado atual da web em caráter mundial e nacional.
³ O CNJ entende esclarece o que comunicações processuais:
“São informações enviadas pelos tribunais e fazem parte de um processo judicial. As formas mais frequentes são a citação e a intimação.
- Citação: é a comunicação feita para que réu, executado ou interessado se informe de que existe um processo em curso.
- Intimação: é a notificação emitida pelo tribunal convocando a parte ou as partes a fazer ou deixar de fazer algo. Também significa dar ciência de atos ou termos do processo.
- Notificação: envio de quaisquer informações referentes a um ato processual ao qual a parte precisa comparecer.”
⁴ Art. 246, §§ 1º-A a 1º-C, do CPC:
“§ 1º-A A ausência de confirmação, em até 3 (três) dias úteis, contados do recebimento da citação eletrônica, implicará a realização da citação:
I - pelo correio;
II - por oficial de justiça;
III - pelo escrivão ou chefe de secretaria, se o citando comparecer em cartório;
IV - por edital.
§ 1º-B Na primeira oportunidade de falar nos autos, o réu citado nas formas previstas nos incisos I, II, III e IV do § 1º-A deste artigo deverá apresentar justa causa para a ausência de confirmação do recebimento da citação enviada eletronicamente.
§ 1º-C Considera-se ato atentatório à dignidade da justiça, passível de multa de até 5% (cinco por cento) do valor da causa, deixar de confirmar no prazo legal, sem justa causa, o recebimento da citação recebida por meio eletrônico.”
⁵ Disponível em: https://www.cnj.jus.br/cnj-inicia-cadastro-compulsorio-de-grandes-e-medias-empresas-no-domicilio-judicial-eletronico/
⁶ “Art. 272. Quando não realizadas por meio eletrônico, consideram-se feitas as intimações pela publicação dos atos no órgão oficial.
(...)
§ 2º Sob pena de nulidade, é indispensável que da publicação constem os nomes das partes e de seus advogados, com o respectivo número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, ou, se assim requerido, da sociedade de advogados.
(...)
§ 5º Constando dos autos pedido expresso para que as comunicações dos atos processuais sejam feitas em nome dos advogados indicados, o seu desatendimento implicará nulidade.”
⁷ Vide benefícios do sistema no link: https://www.cnj.jus.br/tecnologia-da-informacao-e-comunicacao/justica-4-0/domicilio-judicial-eletronico/. Acesso em 13/08/2024.